Leia o texto a seguir para responder às questões 1 a 4.

Papos

— Me disseram...

— Disseram-me.

— Hein?

— O correto é “disseram-me”. Não “me disseram”.

— Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é “digo-te”?

— O quê?

— Digo-te que você...

— O “te” e o “você” não combinam.

— Lhe digo?

— Também não. O que você ia me dizer?

— Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara.

Como é que se diz?

— Partir-te a cara.

— Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir.

Ou corrigir-me.

— É para o seu bem.

— Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...

— O quê?

— O mato.

— Que mato?

— Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?

— Eu só estava querendo...

— Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo é elitismo!

— Se você prefere falar errado...

— Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?

— No caso... não sei.

— Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?

— Esquece.

— Não. Como “esquece”? Você prefere falar errado? E o certo é “esquece” ou “esqueça”? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.

— Depende.

— Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.

— Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.

— Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás.

Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.

— Por quê?

— Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

1. Releia a seguinte passagem:

Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?

Explique como o humor é construído na passagem acima, levando em conta o conteúdo das frases ditas pelo personagem.

2. Observe:

— [...] Mais uma correção e eu...

— O quê?

— O mato.

— Que mato?

— Mato-o.

Explique como o autor utilizou o recurso da ambiguidade para criar um efeito de humor no trecho acima.

3. Analise os trechos a seguir. Eles foram redigidos de acordo com a norma-padrão? Justifique a sua resposta.

a) Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?

b) Não o sabes?

c)  - Por quê?

     - Porque, com todo este papo, esqueci-lo.


4. Levando em consideração a leitura do texto na íntegra, aponte a crítica sugerida por ele.

5. Leia a tirinha abaixo. Observe que, no segundo quadrinho, ocorre um erro por hipercorreção. Explique por que, corrigindo-o.


6. Há semelhanças entre o humor da tirinha e o humor do texto “Papos”, lido anteriormente. Explique por quê.

Leia o texto a seguir, publicado em uma coluna no jornal O Estado de S. Paulo. Nele, o autor aborda alguns aspectos da linguagem usada pelo então presidente Michel Temer, que acabava de tomar posse. Com base nessa leitura, faça as atividades 7 a 10.

“Procurarei não errar, mas, se o fizer, consertá-lo-ei”, disse Michel Temer na última terça-feira, ao anunciar suas primeiras medidas econômicas ao lado do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Para seu crédito, deu uma risadinha após a tirada de intercalar o pronome oblíquo átono entre o radical e a desinência de “consertarei”. Reconhecia assim o que já virou a principal marca de seu estilo. Desde o “sê-lo-ia” do discurso de posse, dia 12, vinha angariando elogios e críticas. Houve quem se derretesse pelo domínio linguístico demonstrado pelo sucessor de uma presidente incapaz de juntar lé com cré. Houve quem apontasse o descompasso entre aquela ostentação mesoclítica e os pequenos deslizes gramaticais que Temer de fato comete para defender a tese de um retrocesso de comunicação entre o “coloquialismo” de Dilma e a pompa do presidente interino. [...] Jânio Quadros, o presidente brasileiro que mais abusou da mesóclise, também lançava mão da linguagem formal para compor um estilo, mas parecia pôr mais humor na receita: ser o que chamamos hoje de “figura” estava em seus planos. Tanto que, personagem maior que a vida, entrou para o folclore político como autor de frases que nunca disse: “Fi-lo porque qui-lo”, por exemplo, em que o “porque” (que deveria atrair o pronome) torna a segunda ênclise um erro feio. O risco maior, no caso de Temer, nem é o de soar como um político da República Velha, algo que ele parece até desejar. É ser abatido precocemente pelos sucessivos erros de seu governo e entrar para a história como o homem-mesóclise: aquele que foi intercalado brevemente entre as duas metades do segundo mandato de Dilma.

RODRIGUES, Sérgio. O homem pronominal. O Estado de S. Paulo, 27 maio 2016.

Disponível em: <https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,o-homem-pronominal,10000053845>. Acesso em: 20 fev. 2020.

7. Observe a passagem: “Procurarei não errar, mas, se o fizer, consertá-lo-ei”. Explicite, com suas palavras, seu sentido.

8. Segundo o texto, houve dois tipos de repercussão atrelados ao uso da mesóclise por Temer em seus discursos.

Aponte-os.

9. O autor comenta que há um erro em “Fi-lo porque qui-lo”. Aponte-o, justificando.

10. Com base na leitura do texto, explique qual é a visão do autor sobre linguagem e imagem social.

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